O sentimento de não conseguir encerrar o ciclo como gostaríamos precisa ser sentido, mas não está tudo perdido. O futebol feminino, assim como a vida, continua
É difícil falar agora, mas tem que falar. A dor de ver um trabalho não conquistando seus principais objetivos é duro. A eliminação da Seleção Feminina Brasileira nesta sexta-feira escancara os problemas que ainda sofremos. Evitáveis? Sim. A gente sabe que dava. Os jogos contra China e Holanda nas primeiras rodadas mostraram que o desempenho nos dois últimos jogos foram bem abaixo do que podemos apresentar.
Não foi por não conhecer o adversário. Só na Era Pia, foram duas vitórias e dois empates contra as canadenses. Talvez o Canadá fosse um dos adversários mais conhecidos para a Seleção Brasileira nessas quartas de final. Porém, neste momento, é necessário reconhecer a derrota e apontar erros e acertos. Isso não vale só para dentro de campo, mas para fora dele também. Porque para ter uma modalidade bem desenvolvida, é preciso ter um ambiente favorável para seu pleno crescimento.
O jogo dentro de campo
O jogo começou bem equilibrado no primeiro tempo. As canadenses arriscaram mais chutes da entrada da área, e na melhor chance e teve sua grande chance aos 20, quando Sinclair não conseguiu dominar bem o cruzamento da direita e a bola ficou com a goleira Bárbara. O Brasil assustou apenas duas vezes: quando Tamires chutou por cima do travessão, aos 14 minutos, e com Debinha, que ganhou a bola no ataque mas chutou em cima da goleira Labbé.
A artilheira da Era Pia não funcionava. Aliás, o meio-campo e ataque brasileiros fizeram uma partida bem atípica. Não conseguiam criar jogadas de perigo, não conseguiam dominar as estatísticas da partida, não conseguiam se impor. Bia Zaneratto e Debinha estavam isoladas e não se entendiam entre si.
Mesmo vendo que sua estratégia não funcionou no primeiro tempo, Pia Sundhage demorou um pouco para mudar: aos 13, Ludmilla entrou no lugar de Bia Zaneratto e Angelina entrou no lugar de Formiga – talvez a substituição com mais significado na reformulação que a Seleção Feminina precisa passar. Se a técnica demorou bastante para colocar as duas, colocou Andressa Alves apenas na prorrogação, no lugar de Duda. As mudanças melhoraram um pouco o jogo das brasileiras, mas não foi capaz de mudar o placar do jogo.
Na cobrança de pênaltis, contamos com a sorte. Bárbara, que não jogou mal, defendeu o pênalti de Sinclair – a principal estrela do time canadense. Os três primeiros brasileiros, Marta, Debinha e Erika bateram bem. Porém, nas duas últimas, um personagem apareceu para roubar a cena: a goleira Stephanie Labbé defendeu os pênaltis cobrados por Andressa Alves e Rafaelle.
Mais uma vez, o Brasil deu adeus a uma competição. Só que dessa vez, as lágrimas derramadas são de tristeza, não por raiva de não ter investimento, mas porque a história poderia ser escrita diferente. Talvez a medalha nem viesse – já que a Seleção Brasileira nunca foi a franco favorita ao título -, mas poderíamos ver o Brasil chegando mais longe.
O jogo fora de campo
Se do lado de dentro de campo é um ciclo que finalmente se encerra, o ambiente que a modalidade vive no Brasil e no mundo é bem diferente. Mais investimento, mais audiência, mais palco, mais atenção de clubes e federações. Claro que temos muito o que avançar na modalidade, principalmente envolvendo questões de igualdade de gênero no esporte (e fora dele), mas os passos estão sendo dados.
Como a própria Marta falou na entrevista após a eliminação da Copa do Mundo de 2019, “não teremos sempre uma Marta, uma Formiga, uma Cristiane dentro de campo”. E ela não mentiu. Talvez a derrota seja ainda mais doída por ser a última de um ciclo tão histórico. Formiga esteve presente em todas as edições olímpicas que o futebol feminino esteve presente. Marta foi considerada por seis vezes a melhor jogadora do mundo e tem uma importância inigualável para o esporte. Elas são a representação do que é ser mulher no esporte: mesmo com todas as dificuldades do dia-a-dia, permanecem ali.
O término do ciclo poderia ser diferente. E acho que o desejo de todos seria esse. Que tudo fosse diferente. Mas não é. Além de aceitar a derrota, precisamos aprender a lidar com o novo e, principalmente, continuar a apoiar o futebol feminino fora dos ciclos das grandes competições com a seleção. Apoiar os times brasileiros, dar audiência a competições nacionais, cobrar federações e times por melhorias, consumir notícias sobre futebol feminino.
Além de apoiar as mulheres no esporte, precisamos ajudar a construir um caminho seguro para que, no futuro, a entrada de outras meninas no esporte seja cada vez maior e mais fácil. O trabalho a favor da igualdade de gênero deve ser coletivo: não adianta ter luta só de um lado. Para que uma menina consiga realizar seu sonho de ser atleta, ela precisa de apoio de todos a sua volta: além de familiares e amigos, os clubes precisam dar infraestrutura pra categoria de base, federações precisam criar competições para fomentar a modalidade, o governo precisa incentivar e investir nas práticas esportivas, a imprensa precisa trabalhar com pautas que envolvam o esporte como um todo – não só o dia-dia. Enfim, o trabalho em equipe tem que ser feito para que, lá na frente, os frutos sejam colhidos.
O futebol feminino vive. Que o brasileiro continue apoiando a categoria assim como fez nos últimos 10 dias que sonhamos com a medalha. E que possamos sonhar cada vez mais alto daqui pra frente.
Foto em destaque: Distribuição/Sam Robles/CBF