Tem histórias que nem parecem reais de tão loucas. Minha história com o futebol envolve muito mais que uma menina querendo seu lugar ao sol. Envolve um amor de outras vidas que, por mais que foram separados em algumas tentativas, o futebol sempre voltava pra vida dela
As linhas do destino foram traçadas e eu fui praticamente obrigada a conviver com o esporte. Isso não soa em tom de desabafo ou arrependimento, muito pelo contrário. Eu não seria 1% do que sou hoje sem o futebol.
Minha família é a típica família brasileira. Unida por motivos de futebol. Sempre foi um ambiente muito seguro para a gente ser livre para ser quem quiser e escolher qualquer time. Por ter mais dois irmãos e minha mãe também gostar de futebol, era natural pra mim estar naquele espaço. Mesmo assim, eu tive que driblar algumas questões para estar onde eu queria.
Quando pequena, eu era completamente fascinada por torcidas no estádio. A ideia de ir em um lugar pra assistir futebol e cantar durante 90 minutos me enchia de alegria. Eu nunca fui uma criança muito faladeira, sempre fui muito tímida, mas quando o assunto era esporte eu me abria. Não só por influência da minha família, mas porque eu gostava do assunto. Porém, como tinha dois irmãos mais novos, meus pais achavam aquele ambiente muito perigoso para três crianças. Eu não entendia na época o por que eu não poderia ir ao estádio como todas as minhas amiguinhas, mas foi para o meu bem.
Foi com a Copa do Mundo que eu aprendi a amar a minha pátria, aprendi sobre países e jogadores que nunca aprenderia se não fosse pelo futebol, que ganhei ídolos e seleções que sempre vão estar no meu coração. O álbum de figurinhas me ensinava sobre geografia, história, além de me fazer ler cada vez mais sobre aquele assunto tão novo pra mim. Como era um assunto normalmente debatido por adultos ou somente pelos meninos, eu ficava no meio da rodinha deles só ouvindo e dando pitaco quando eu quisesse. Afinal, apesar de pequena, eu sabia e entendia sobre aquele assunto.
Meu grande sonho era ser atleta. Não me importava muito como estaria ali, mas queria o esporte na minha vida de alguma forma. Seria um jeito de retribuir tudo aquilo que ele tinha me dado. Porém, eu sabia que não seria daquele jeito. Aos 6 anos, descobri que tinha uma síndrome chamada Displasia Cleidocraniana, que impedia meus músculos de se desenvolverem normalmente. Eu via aquilo como um sinal. Não era pra ser. Aquele era meu lugar, mas não daquele jeito.
O futebol me ensina todos os dias. Me deu lições bem duras mais nova, principalmente com as Copas do Mundo, mas a mais importante de todas eu só fui me ligar depois, já na faculdade. A que eu poderia ser quem eu quisesse. Todo mundo é bem-vindo no futebol: não importando com a raça, religião, gênero, idade.
Para falar bem a verdade, eu não me sentia inclusa na sociedade. Apesar de ter um grupinho de amigas que conversavam sobre coisas de menina, ser uma menina que gostava de futebol era bem difícil. Ter irmãos que jogavam e acompanhavam esportes 25 horas por dia ajudava um pouco nessa jornada, mas não era o suficiente.
Claro que não é um espaço perfeito. Apesar dos vários avanços, ainda vemos as mulheres na sociedade em situação de vulnerabilidade e na indústria esportiva não seria diferente. A mulher sempre foi colocada em segundo plano e, apesar dos ganhos durante os anos, ainda temos muito ao que percorrer.
Não adianta ter mulher só no esporte como atleta. Para termos uma sociedade realmente equalitária, com diversidade e igualdade, precisamos de mulheres em todas as fases do processo. No jornalismo, nas comisões técnicas, na arbitragem, na liderança de departamento nas fedarações. Mulheres ganhando espaço e voz na sociedade.
Foi o futebol que me deu tudo isso que tenho hoje. A força que uma mulher precisa pra conquistar seu lugar ao sol. Fico muito feliz em fazer parte do crescimento do espaço feminino no futebol, inclusive com o Rainhas do Drible. A luta continua, mas agora sei que não estou sozinha.
Foto em destaque: Divulgação / Arquivo Pessoal – Beatriz Cruz
Que incrível!
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