As atletas do clube começaram a se manifestar em suas próprias redes sociais na segunda e terça-feira
O clube Juventus da Mooca, um dos que iniciou toda a caminhada e jornada do futebol feminino dentro do Brasil, acabou encerrando novamente as atividades da categoria dentro da instituição. No entanto, as coisas não foram como flores. Já é ruim pensar no encerramento das atividades, mas pior ainda da maneira que foi.
Entre a segunda (22) e terça-feira (23), algumas atletas do clube começaram a se manifestar em suas próprias redes sociais, com o intuito de denunciar os grandes problemas do Juventus. Antes disso, na sexta-feira (20), a comissão técnica inteira havia anunciado a sua saída e o time entrou no final de semana sem ter ninguém para poder comandá-lo.
O Juventus da Mooca foi um dos pioneiros da categoria, assim revelando muitas das atletas. Cristiane, Érika, Thaisinha, Ludmila, Roseli… Nomes da nossa Seleção Brasileira passaram pelo time grená e pelas mãos da famosa técnica Magali. O time era um dos mais competitivos, tanto que representou, junto com o Radar, a camisa da Amarelinha.
Mas nem tudo é um belo mar de rosas e o clube começou a passar por problemas, os quais refletiram somente na parte do futebol feminino. Em 2020, o time fez uma parceria curta com o Audax e disputou o Campeonato Brasileiro A1. Após terminar esse período, as atletas disputaram o Brasileirão A2, onde fizeram uma boa campanha, chegando até as quartas, e também o Paulista. No elenco, nem todas as jogadoras e profissionais da comissão recebiam.
Ano passado fizemos uma ótima campanha, jogamos o Campeonato Brasileiro A2 pela primeira vez e chegamos nas quartas de final. Demos mais retorno que o masculino em questão de potencial, sabe? Mas mesmo com isso, não se importaram nem com a gente nem com a categoria… Basicamente, só as titulares recebiam ‘ajuda de custo’, nada absurdo. Não chegava nem a mil reais, geralmente era R$ 250 e R$ 500 para as mais antigas. Mas grande parte das atletas tirava dinheiro do bolso pra ir treinar”.
Quem conta essa situação é Danielle Lameu, goleira do time e um dos nomes destaque nos campeonatos. A situação que acontecia no Juventus estava perdurando há tempos, quem mantinha aquilo era a comissão e atletas, essa relação.
Comissão que tem o nome bem marcado em cada postagem: Cláudio, Wellington, Felipe, Leonardo, Betão e Júlia Moni. Além dos nomes que estavam presentes por amor, como o fotógrafo Ale, Humberto e Japa, que eram apelidados carinhosamente de tios, e Gisele, Marcelo, Guilherme e Lalá.
Segundo a última atualização do Juventus, haviam ficado 12 atletas treinando, as que não receberam propostas de outros times. Algumas buscaram novas condições em outros clubes, outras somente não quiseram ficar no Juventus. Muitas dessas que saíram agora, sem escolha, não têm um time para ir e continuar o sonho.
A única coisa que eu tenho pra falar é: o clube nunca deu valor pro feminino, nunca teve o reconhecimento que merecia. Desde que eu entrei, vi que o departamento feminino que tinha que correr atrás de tudo, eles ofereciam o mínimo do mínimo e nem todas as atletas recebiam, nenhuma das atletas tinha contrato ou carteira assinada, nem comissão, só o treinador e até pra ele era difícil. Esse ano aconteceu o que talvez era pra ter acontecido anos atrás. Se a gente subisse, eles iam tentar arrumar patrocinador e iam investir. Como não subimos, simplesmente acabou. Foram levando com a barriga sem dar uma explicação se ia acabar mesmo. Falaram que talvez fosse ter uma escolinha. Aí foi todo mundo saindo, porque não tinha muito o que fazer”, depoimento dado em anônimo.
A tentativa de uma resposta
Segundo as próprias atletas, a comissão e elas foram atrás de uma resposta do clube em relação à continuidade do futebol feminino no ano de 2021. Algumas meninas já tinham voltado a treinar no clube, tinham se reapresentado, mas não sabiam ainda o que iria acontecer futuramente, era algo inseguro e sem respostas.
A única coisa que ficamos sabendo esse ano foi que a diretoria queria levar o futebol feminino por meio de uma dessas opções: teríamos o futebol feminino, mas cortariam essa ‘ajuda’ de custo ou não teríamos mais time”, conta Dani.
A sensação era de acordar e não saber o que ia acontecer, tanto que algumas das atletas saíram do clube e buscaram outros times, antes de tudo isso. Foram mais de duas semanas de treinamento e de buscas por uma resposta, fosse ela o fim mesmo da categoria no clube. Mas nada foi dito, em nenhum momento.
Nunca foram lá e parabenizaram depois de uma classificação de grupo, uma oitavas e quartas. Sempre foi comissão e jogadora. Mas, esse ano, nem planejamento eles analisaram e não deram uma resposta se ia permanecer o feminino, isso veio desgastando todo mundo. Voltamos aos treinos com perdas já, esperamos uma resposta e nada. Tivemos que parar de treinar, ficamos sem ir uma semana e mesmo assim não tivemos nenhuma resposta, única maneira que vimos de nos valorizar é mostra a realidade do clube no futebol feminino”.
Quem fala acima é outra atleta, Renata Rosa. Ela chegou ao Juventus em 2016, após passar pelo Centro Olímpico. Desde então, Renata vestiu as cores do time da maneira mais profissional possível, sempre aguentando as situações. Mas, como ela mesma disse, chegou o momento de falar.
O maior “desespero” é pela falta de respostas, as atletas ficaram sem apoio e sem clube do dia para noite, como num piscar de olhos. Ninguém, em nenhum momento, falou nada. Como acontece geralmente no futebol feminino. Emilly Souza, atleta do post acima, que conta mais um pouco sobre a situação que enfrentam.
Nosso treinador, o Wellington, sempre foi muito transparente com a gente em relação a tudo que acontecia no clube referente ao feminino. Ele nos comunicou que havia entregue o planejamento desse ano para a diretoria, mas até então não deram nenhuma resposta. No começo de fevereiro, era óbvio que sem obter nenhuma resposta da diretoria, muitas atletas começaram a desanimar e questionar o que tinha acontecido, como iria ser esse ano, se de fato íamos disputar o campeonato paulista ou só íamos treinar por treinar”.
Como as coisas funcionavam
No ano de 2020, em que o time disputou o Brasileiro A2 e o Paulista feminino, as condições já eram as mais precárias. Mas, mesmo assim, mantinham as meninas e também o sonho de poder estar vestindo uma camisa e jogando seu futebol.
Para quem não sabe, o Juventus da Mooca fica na famosa Rua Javari, conhecida pelas suas marcas e pelo famoso cannoli. Mas essa ideia fica bonita só no papel, ou melhor, só no futebol masculino.
O masculino sempre teve tudo. Primeiro sempre foi o masculino e depois era a gente… Teve um dia que fomos treinar lá em Osasco e quando chegamos lá, treinamos 30 minutos quase porque o masculino chegou e eles tinham que treinar também. O masculino tem alojamento, academia e treina na Javari. Nós não temos alojamento, raramente usávamos a academia e raramente treinávamos na Javari. Era uma vez por semana lá, só para falar que treinávamos”, indaga Danielle.
Essa diferença entre o futebol masculino e feminino é algo muito comum ainda no Brasil, mesmo sendo a mesma modalidade. Sempre escutamos falar sobre o “país do futebol”, mas para quem?
Cada atleta do Juventus falou que gostaria de sair e manter as portas abertas, pois nunca se sabe o que pode acontecer amanhã. Mas, em um momento assim, elas optaram por expor todas as coisas, as realidades da categoria que ninguém comenta.
De todo esse tempo que eu estive no Juventus, nunca tinha visto alguém da diretoria. Só vi ano passado e porque estávamos no Brasileiro A2 e indo bem. Infelizmente, o atual campeão (Napoli) foi quem nos eliminou e depois disso eu não vi mais ninguém da diretoria. Soube que não pagaram nem a nossa comissão técnica e por isso todos saíram do clube. As atletas que ficaram foram praticamente abandonadas sem ter uma resposta da diretoria”.
Quem conta mais uma parte dessa situação é Kemillyn Sodré, jogadora que chegou ao Juventus em 2019. Ela fazia parte das atletas que tinham bolsa da faculdade, na UNICID. Mas nem essa bolsa que eles ofereciam era de 100%. As atletas tinham direito a até 50% de bolsa e não recebiam a ajuda de custo.
No meio dessas disputas de campeonato, algumas atletas eram utilizadas como gandulas nas partidas, sem receber nada por isso, como contam fontes presentes nos momentos. Essa desvalorização era demonstrada diariamente por uma sequência de atitudes e desinteresse de parte da diretoria, pessoas que deveriam melhor se preocupar.
De alguns meses pra cá, o clube não nos ajudava em custos, conduções e etc… Depois de anos vieram nos ajudar com uma condução por mês, mas muitos desses meses atrasava, ficamos com meses sem receber essa ajuda, eles nunca davam alguma satisfação, não vinham nos comunicar sobre algo qualquer”.
Andreza Silva, com sete anos de Juventus, comenta mais sobre a situação. Como ela própria contou, tudo sempre foi feito com muito amor porque gostava de fazer. As dificuldades sempre estiveram presentes, mas não dava para parar com o sonho.
O que precisamos tirar disso?
O futebol feminino vem crescendo a cada dia mais, isso é uma verdade. Podemos ver uma onda imensa que iniciou em 2019, na Copa do Mundo da França. Mas, mesmo assim, ainda há muita coisa errada em torno dessa categoria.
Pensar que essa situação é única e exclusiva do Juventus da Mooca é errado, é não querer ver o que está na sua frente. Os clubes, as federações e a Confederação precisam prestar mais atenção nessas questões e assim fazer o futebol feminino realmente crescer.
O Juventus da Mooca, infelizmente, mancha a sua bela história e relação com o futebol feminino. Quem olhar para a Javari agora não verá mais o mesmo, não terá mais o mesmo. Denúncias são importantes e necessárias para o crescimento da categoria!
Confira alguns dos posts feitos:





Foto de destaque: Ale Viana