‘Eu olho para o macarrão e me lembro de tudo aquilo ali, onde tudo começou’, disse Taison ao jornalismo da Globo
Taison. Brasileiro, jogador, famoso, artilheiro e capitão do Shakhtar Donetsk, onde atua há sete anos. Hoje, o atacante coleciona vários títulos, mas parafraseando o próprio, “as pessoas veem o Taison de agora e não o do passado”. E é por essa razão que o Rainhas do Drible mostrará agora a sua trajetória.
A infância
No dia 17 de janeiro de 1988 nascia, em Pelotas, Rio Grande do Sul, um menino. Registrado e batizado como Taison Barcellos Freda, o nome fora escolhido em homenagem à grande estrela do boxe Mike Tyson. E o que, talvez, seus pais não faziam ideia era de que o menino seria um grande lutador, mas não dos ringues e sim dos gramados.
Filho mais novo de onze irmãos, Taison cresceu na periferia de Pelotas, no bairro chamado Navegantes, e teve uma infância dificil e cheia de privações. Aos 13 anos, enquanto muitos jovens de sua idade se divertiam com os amigos, o garoto tinha que sair e trabalhar para ajudar no sustento de casa.
Sua mãe, na época empregada doméstica, ganhava muito pouco e era muita gente para alimentar. No entanto, a família morava perto de uma igreja onde distribuiam sopa e eles enfrentavam uma fila para pegar o alimento.
A macarronada que mudou sua vida
E como canta Samuel Rosa, do Skank, “quem não sonhou em ser um jogador de futebol?”. Todo garoto, seja ele da periferia ou não, vê no esporte, principalmente nos campos de futebol, a melhor oportunidade para uma ascensão na vida. Taison não foi diferente. Certamente já era um amante do esporte, tinha ídolos e queria ser como eles. Mas, principalmente, queria dar uma vida melhor para seus pais e não ter que ver sua família preocupada se teria ou não comida no outro dia.
Foi em busca do sonho e passou a treinar no Progresso Futebol Clube, time local do município. Em 2005, aos 17 anos, procurou maior destaque e fez um teste no Internacional, que durou apenas 10 minutos. O garoto fora dispensado por ser muito magro, o que era reflexo das condições da família. Voltou a Pelotas, onde continou a jogar no time local.
Poucos meses depois, haveria um amistoso contra o Internacional. Taison iria jogar com fome, se não fosse por um dirigente do Progresso que lhe fez uma macorronada para que almoçasse. A macarronada milagrosa mudaria sua vida naquele dia. O Inter perdeu a partida por 3 a 2, os três gols marcados justamente pelo moleque magro que fora dispensado meses atrás e que naquele dia foi convidado a jogar no clube colorado.
O início da carreira profissional
Em 2008, estreou como titular no Internacional, mas seu destaque foi um ano após. A habilidade com a bola, em junção da sua velocidade e faro para gols, deu destaque a Taison em 2009, com a artilharia do Campeonato Gaúcho e da Copa do Brasil. Nesse mesmo ano, seu rendimento caiu um pouco, tanto que chegou a ser reserva em grande maioria dos jogos. Com a chegada de um novo técnico, foi recuperando a confiança e suas boas atuações, sendo fundamental para a conquista da Libertadores de 2010.
Do Internacional para o futebol internacional
Em 2010, começou a chamar atenção dos cartolas europeus. As propostas vieram de clubes alemães, franceses e ucranianos, sendo este último a melhor. Taison se apresentou ao Metalist Kharkiv e apenas uma temporada foi suficiente para lhe render, em 2011, o prêmio de melhor contratação do futebol ucraniano, superando as contratações de Willian e Douglas Costa, ambos do Shakhtar Donetsk na época, clube onde Taison passou a jogar em 2013. O Shakhtar teve que tirar o Chelsea do caminho para conseguir a contratação.
A convocação
Dia 22 de agosto de 2016 certamente ficará marcado para sempre na memória do atacante. A data marca sua primeira convocação para vestir a Amarelinha. Foi convocado por Tite para as Eliminatórias da Copa do Mundo de 2018. Foi na partida diante dos colombianos, em 06 de setembro, que estreou na Seleção aos 41 minutos do segundo tempo. Em 14 de maio de 2018, veio a segunda convocação, desta vez para o Mundial.
Naquele momento, começaria mais uma luta na sua vida: sua convocação foi contestada por muitos brasileiros. O jogador chegou a desabafar em uma entrevista para a Rádio Gaúcha Timeline.
Entendo as pessoas que pediram outro jogador, mas eu trabalho muito, não caí ali por acaso. Algo eu tenho que ter para estar na Seleção Brasileira, para estar entre os melhores. Respeito todos os jogadores da posição, os que estão na lista e os que não brigaram para ir, mas eu sempre trabalhei em silêncio”.
Nessa mesma época, Taison se destacou no Shakhtar, que se classificou na Champions League em uma chave com Manchester City e Napoli.
Títulos e prêmios
O jogador foi campeão com o Internacional pela Copa Suruga Bank e Campeonato Gaúcho em 2009, além da Copa Sul-Americana em 2008 e Copa Libertadores da América em 2010.
Já com o Shakhtar Donetsk, Taison levantou taças do Campeonato Ucraniano em 2012-13, 2013-14, 2016-17, 2017-18, 2018-19, 2019-20; Copa da Ucrânia: 2012-13, 2015-16, 2016-17, 2017-18, 2018-19; e Supercopa da Ucrânia: 2013, 2014, 2015, 2017.
Em prêmios individuais, o brasileiro já foi eleito o melhor jogador do Campeonato Gaúcho, artilheiro da Copa do Brasil e do Gauchão, em 2009.
Além de jogador, um lutador antirracista
Taison vai além de um jogador de futebol. O atacante fez boa parte de sua carreira e suas grandes conquistas nos campos ucranianos, no mesmo campo onde os casos de racismo já são muito conhecidos por nós brasileiros. O mesmo onde foi vítima de um desses casos.
Foi durante o maior clássico da Ucrânia, junto do também brasileiro e companheiro de equipe Dentinho. Cada vez que tocavam na bola, os torcedores do Dínamo de Kiev soltavam insultos racistas. Ao sofrer uma falta no segundo tempo, ele se voltou para a torcida adversária, chutou a bola e fez um gesto obsceno em sua direção. Os insultos continuaram e o árbitro paralisou o jogo a fim de que cessasse, mas, ao retomar a partida, expulsou Taison, que deixou o campo chorando.
Após o jogo, Taison desabafou em suas redes sociais, citando um trecho da música ‘Jesus chorou’, do Racionais MCs: “Amo minha raça, luto pela cor, o que quer que eu faça é por nós, por amor”. No texto, ressaltou a firmeza que deve ser adotada no combate ao racismo.
Jamais irei me calar diante de um ato tão desumano e desprezível. Minhas lágrimas foram de indignação, de repúdio e de impotência. Impotência por não poder fazer nada naquele momento. Mas somos ensinados desde muito cedo a sermos fortes e a lutar. Lutar pelos nossos direitos e por igualdade. O meu papel é lutar, bater no peito, erguer a cabeça e seguir lutando sempre!”.

Taison, faz parte de um seleto grupo de atletas que são notáveis não somente pelo esporte, mas principalmente por não se calar e levantar a voz para mostrar que sua resposta representa, na verdade, uma redenção de todos os negros. Taison se revela maior que as entidades da bola que minimizam ofensas racistas. E, pela demonstração de caráter ao denunciar os racistas, atingiu um estágio como cidadão que poucos deles conseguem.
A expulsão de Taison mostra como cartolas brancos ditam regras que condenam jogadores negros à convivência pacífica com o racismo, reproduzindo o apartheid em forma de Fair-Play.
Parafraseando Taison e a ativista Angela Davis, “em uma sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”.
Foto de destaque: Getty Images