Rio Grande do Sul, futebol e racismo

De acordo com o “Relatório Anual da Discriminação no Futebol” em 2019, o Rio Grande do Sul concentrou o maior número de casos de racismo ocorridos em estádios brasileiros

O estudo acontece anualmente em todo o país e é realizado por pesquisadores do Museu da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Museu da UFRGS) em parceria com o Observatório da Discriminação Racial no Futebol. Para a realização do relatório são levados em consideração casos de discriminação racial noticiados nos veículos de comunicação, que ocorreram entre o 1° dia do ano até o último. Os resultados são descritos como “supostos casos de racismo”, sem a distinção entre racismo e injúria racial, como faz a legislação brasileira.

O estado amarga está marca há seis anos consecutivos. Para muitos gaúchos,  o Rio Grande do Sul tem uma história racista.

A chamada Revolução Farroupilha foi uma revolta tributária, uma guerra para defender os interesses dos aristocratas que detinham o nobre produto chamado charque. Não defendia direitos humanos de homens e mulheres, índios, negros, colonos. Não era uma guerra para melhorar a cidade.

E quem lutou de verdade na Revolução? Esses nunca foram citados nas minhas aulas de história da escola. Em compensação ouvi falar bastante de Bento Gonçalves, Giuseppe Garibaldi, David Canabarro.

Mas nunca aprendi sobre os Lanceiros Negros. Esses eram escravos, que apenas com uma lança na mão, e com a promessa de que ganhariam a liberdade,  lutaram na guerra chamada de Revolução Farroupilha. Eles defenderam uma causa que não era deles, muitos morreram, e os que sobreviveram foram dizimados pelos soldados imperiais, no chamado “Massacre dos Lanceiros Negros”, isso resultou morte de centenas de escravos.  A esperança era de uma abolição futura. E no fim, NUNCA tiveram a sua liberdade prometida.

Enfim…

Nasci em Porto Alegre, sou uma guria. Uma gaúcha negra. Tem quem não acredite (e não são poucos).  Das diversas vezes que estive fora do estado, incontáveis vezes escutei: “Você é gaúcha mesmo? Mas não tem muitos negros no Rio Grande do Sul, né?”

Pergunta que me faz pensar: “Sou uma lenda? Folclore?”. Mas quando olho no espelho, logo vem o alívio: “Ufa, sim… Eu existo de verdade!”.

A população branca é a maioria na Região Sul do Brasil, somando 77% nos três estados, negros 3,8% e pardos 17,7%. Por vezes acreditei que isso seria motivo para a nossa região ser centro desses tipos de casos, mas a gente não pode tentar achar causas, pois o preconceito não pode existir em nenhum lugar do mundo, indiferentemente de qual origem seja o seu povo.

No futebol, é comum que se combata o racismo com medidas punitivas. Pode não ser o bastante, mas certamente tem seu valor. O esporte pode, inclusive, ser um vetor para a conscientização: o futebol pode, ainda que com dificuldade, tocar algumas consciências individuais sobre a imbecilidade das manifestações racistas em estádios. O micro e o macro, afinal, sempre foram uma via de mão dupla. Mas óbvio, essas são medidas de curto prazo; para o longo, a resposta é a educação, o combate ao fruto podre pela sua raiz.

Tantas vezes mancha e manchou no esporte mais popular do planeta, o racismo não pode mais passar impune. Inúmeras vezes passou, mas em outros tempos. Em novos tempos, exigem-se medidas inéditas: vista grossa, crítica atuante… e “divórcio”.

Sou uma torcedora e  frequento jogos desde nova, e consequentemente tive que me acostumar a ouvir a torcida gremista a chamar torcedores colorados de “MACACOS”. Triste, porém real… E ainda chamam, em diversos cânticos!  Normal? Não, não é!

 Já passou da hora de pararmos com esta história de que no estádio os códigos são outros, que tudo pode. Não, não pode. Futebol não é salvo-conduto para atos contra a dignidade humana.

Qualquer tipo de preconceito, fere, machuca e é crime.

Foto de destaque: Fabio Diena / Shutterstock

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