Na última quarta-feira (19), durante o jogo entre Oriente Petroleiro e Vasco da Gama pela Copa Sul-Americana, um jogador do Cruzmaltino sofreu um ato de racismo no Estádio Ramon Aguilera.
Alexander Silva, goleiro oriundo das categorias de base do clube brasileiro, se revoltou com gritos racistas vindo dos torcedores petroleiros durante a partida na Bolívia, e ao reclamar com a arbitragem em relação ao crime cometido pelos adeptos bolivianos, surpreendentemente, o juiz resolveu punir o jogador agredido e seus companheiros que se indignaram com os gritos de “macaco” ecoados pela arquibancada.
Na mesma semana, presenciamos outro caso de racismo na Europa, com o jogador Moussa Marega, do Porto, o qual este blog não deixou de expressar sua indignação e alerta. Porém, sabemos que o racismo está tão intrínseco no cotidiano global, que combater esse mal pela raiz se torna um desafio.
O racismo surgiu quando os impérios eurocêntricos decidiram que sua cultura e seu povo era superior e dotado de força para liderar e dominar povos ditos “inferiores”, como os negros e indígenas, assim tornando-os seus escravos. Todavia, mesmo com o caminhar dos anos e a sociedade desenvolver-se com novos ideais, esse racismo se instaurou na estrutura social e perpetua até os dias atuais, muitas vezes sem nem percebermos a presença dele. O que não é o caso do futebol!
A história do esporte das massas nem sempre foi voltada realmente às massas. Quando Charles Miller trouxe a primeira bola de futebol ao Brasil, ele conquistou brancos e negros. Porém, enquanto a elite branca construía estádios e assistiam seus campeonatos legalizados e reconhecidos com jogadores também brancos e amadores, os negros improvisavam campos de várzea e jogavam campeonatos clandestinos.
Não era bem visto à elite brasileira a popularização do esporte europeu, mas era evidente a apropriação negra e como transformaram o esporte demonstrando sua importância e talento para tal.
Em 1924, quando o Clube de Regatas Vasco da Gama tentou disputar a primeira divisão carioca, a associação futebolística, que consistia nos times tradicionais, como América, Botafogo, Flamengo e Fluminense, condicionou sua participação na liga à retirada de 12 negros e mulatos de seu time.
O clube recusou essa exigência e acabou preferindo jogar com os times de menos expressão. Todavia, o Vasco não foi o primeiro clube brasileiro a ter jogadores assumidamente negros; o Bangu já tinha seu plantel formado por negros e mulatos, assim como Andaraí, São Cristóvão e Ponte Preta. Mas só o Cruzmaltino se impôs e lutou pela integração dos negros ao futebol nacional.
A partir da década de 30, com a profissionalização do esporte, os negros começaram a conquistar seus espaços. Contudo, é evidente que o racismo ainda está presente no âmago dos torcedores.
Carlos Alberto Figueiredo da Silva, autor do livro “Racismo no futebol”, afirma que quando a tensão social aumenta, há um fenômeno recorrente: a busca por um bode expiatório.
Isto não é diferente no futebol. Na Europa, as manifestações de preconceito têm se intensificado em virtude das tensões no mercado de trabalho, moradia, desigualdade, etc. Isto chegou ao Brasil e a outros países da América, pois estamos num momento de ansiedade e de crise. A sociedade deve buscar punir os infratores, mas o que se vê é a punição aos clubes, aos estádios, ou seja, estamos no vazio. A polícia tem de ter mecanismos para apurar os delitos”, declarou o escritor.
Por mais uma vez, vemos jogadores sendo agredidos e discriminados e a punição ser dada à vítima. Mais uma vez o torcedor comete um crime e não paga por ele. E assim, o racismo no esporte continua criando raízes sorrateiras e disseminando um pensamento transgressor pelas arquibancadas que deviam ser palco apenas de amor pelo esporte.
A cena da última quarta-feira foi flagrada pelas câmeras da DAZN, que transmitia a partida. O Vasco publicou uma nota de repúdio ao acontecimento e se solidarizou ao seu jogador; o clube pediu à Conmebol que retire o cartão amarelo dado erroneamente por José Argote, da Venezuela, que em vez de sair em defesa do goleiro, que sofreu o preconceito racial, e interromper a partida por causa do caso de racismo, preferiu punir os jogadores que se indignaram com o acontecimento.
